ALGUMAS NOTAS ACERCA DA EDUCAÇÃO NA ERA NEOLIBERAL

Uma das características mais essenciais do modo capitalista de produção é a de inverter valores. Isso é facilmente perceptível quando observamos as várias manifestações nos mais variados segmentos que compõem a nossa sociedade.
Nós, seres humanos, dentro desta lógica de mercado somos avaliados pelo que temos, e não pelo que somos. Pessoas de valor são aquelas que possuem uma boa conta bancária, um carro importado, ou no mínimo, que disponibilizam força de trabalho para vender (momento em que há também uma inversão de valor, haja vista que períodos de nossas vidas são simplesmente vendidos, caracterizando-se, assim, uma escravidão pós-moderna), ficando para segundo ou terceiro planos o nosso caráter e nossa personalidade.
Observo com grande perplexidade quando os ocidentais fazem inflamadas críticas aos costumes muçulmanos, como às mulheres afegãs que são obrigadas a usar a burca, se esquecendo de como deve ser também difícil para uma mulher ocidental ver a fantasia da “Tiazinha” ou da “Feiticeira” superarem seu caráter ou retidão. Além do horror que é, na minha modesta e humilde opinião, ver as palavras cachorra, poposuda ou preparada, se tornarem atraentes e belas.
Outra manifestação que caracteriza uma inversão de valores dentro desta racionalidade de mercado que se baseia na competitividade visando lucro, é quando vemos as pessoas se distanciando, nas ruas ou calçadas, no momento em que avistam um mendigo ou uma criança pedinte. É ignorada sua condição humana, seus valores, suas abstrações e suas subjetividades. Ele é, portando, usando aqui uma expressão marxiana, “coisificado”. Ao passo que as pessoas conversam, limpam, acariciam, cuidam de um carro, por exemplo, como se fosse um ser humano. É o que o mesmo Marx definiu sabiamente quando trabalha o conceito de reificação de “coisificação das pessoas e personificação das coisas”.
A educação, sendo analisada nessa lógica, tem sido mais uma vítima desta inversão de valores. Ou seja, há uma pretensão de torná-la mercadoria (pretensão, pois não acredito que seja possível), de transformá-la em um bem comercializável, como se conhecimento se transmitisse, como pensavam (alguns ainda pensam) os antigos educadores, seguidores de uma corrente positivista, a qual considera o aluno “tábula rasa”. Estou convencido, tendo como base alguns poucos anos de experiência lecionando, e até como aluno, que conhecimento definitivamente não se transmite, e sim se constrói a partir de orientação, leitura e discussão, processo essencialmente árduo e penoso, totalmente inverso à que propõe o modelo de educação ora hegemônico e as pessoas influenciadas por esta sociedade baseada na “lei do menor esforço”.
Isso é muito claro quando ouvimos as queixas de nossos alunos de que assimilar os conceitos expostos é muito difícil. Ora! Se fosse fácil todos saberiam. Não seria necessário estarmos reunidos em um espaço físico, com uma quantidade determinada de pessoas, onde outro ser humano ministra aulas. Seria comum, por exemplo, num ponto de ônibus, as pessoas sem nenhuma instrução educacional discutirem os grandes modelos filosóficos desde a Antiguidade Clássica, Platão e Aristóteles, até a Filosofia Moderna, como o existencialismo de Jean Paul Sartre. Ou as Leis da física de Newton e a grande contribuição, já na modernidade, de Einstein. Ou ainda, discutirem os grandes nomes da Literatura Nacional e Internacional, como Balzac, Dostoievski, Tolstoi, Vitor Hugo, Émile Zola, Cervantes, Machado de Assis, Rubem Fonseca, dentre outros. Entretanto, isso não é comum. Justamente porque é difícil, e é necessário percorrer os árduos caminhos da elaboração teórica.
O parágrafo anterior serve para mostrar que as pessoas querem aprender tendo como égide justamente a “lei do menor esforço”, que é influência direta desta sociedade pós-moderna, tornando assim extremamente difícil a missão do professor de quebrar esta barreira, de mostrar a beleza que é nos tornarmos seres capazes de interpretar a realidade com discernimento crítico, mas que para tal, é absolutamente necessário um grande esforço.
É impossível, por outro lado, alienar educação das relações de poder. A falta de uma política educacional séria ocorre, dentre outros fatores, pelo desinteresse de se conscientizar as pessoas, de torná-las seres capazes de contestar a ordem estabelecida.
Observamos um grande sucateamento das escolas públicas, onde se encontra a maioria dos cidadãos do futuro, justamente para mantê-los sob controle, para que a “canalha” continue governando. Desta forma, o papel de educar as pessoas, que caberia às escolas, é transmitido para os meios de comunicação de massa. Eles colaboram para que haja certa padronização do gosto e uma uniformidade de comportamento (uma verdadeira doutrina). Por exemplo, a televisão (que atinge um público maior), com sua linguagem simultânea, fragmentada e superficial (em forma de espetáculo), tem a enorme capacidade de convencer as pessoas de que algo é certo ou errado. Ou seja, não é necessário esforço algum, basta apenas se sentar na frente da televisão para receber informações que a maioria absoluta da população aceita passivamente.
Não é interessante para os donos do poder que as pessoas pensem. É só analisarmos a programação aos domingos, que é, aliás, exatamente o dia, coincidência ou não, que a grande maioria da população se encontra em casa. Ao passo que, programas de caráter educativo geralmente são exibidos em horário que impossibilitam a audiência de muitos telespectadores. Além do fato dessas programações serem consideradas maçantes, ponto que é compreensível, porém não aceitável, dentro desta sociedade, pois a cultura trás discernimento crítico, enquanto entretenimento proporciona hipnose (mais uma vez os valores são invertidos), sendo mais interessante para os que dominam o entretenimento.
Para sermos, portanto, cidadãos participativos e agentes da construção da história e da sociedade, temos que tomar consciência da importância da educação e de seu papel social, que é o de construir pessoas com uma identidade, sem a qual nos tornaremos simplesmente coisas, sem vontade própria, sonhos, gosto, desejo ou opinião.

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