O CONFLITO ÁRABE-ISRAELENSE, A ABOMINAÇÃO DA DESOLAÇÃO E O ANTICRISTO

Se prevalecer a tese olho por olho, todos acabarão cegos”.
Mahatma Gandhi


“A Batalha das Oliveiras na Cisjordânia”: esta frase refere-se a manchete de um jornal de grande circulação, cuja matéria versa sobre a mais nova página do conflito envolvendo árabes e judeus pelo controle da região da Cisjordânia, em que se observa uma verdadeira corrida para se plantar oliveiras, do lado palestino, e azeitonas do lado judeu, uma vez que existe o princípio de que uma árvore, ou uma lavoura, ajuda a sustentar a reivindicação da terra, uma vez que o dono pode ser considerado, muitas vezes, aquele que trabalha o terreno, e não necessariamente o proprietário.
Embora o conflito árabe-israelense não esteja recebendo, nos últimos meses, a atenção devida dos principais meios de comunicação de massa, venho acompanhando com perplexidade e espanto, desde o dia 27 de dezembro de 2008, a mais sangrenta operação militar israelense contra palestinos desde a Guerra dos Seis Dias, de 1967. E por que tamanha perplexidade em se tratando de um conflito tão antigo, complexo e controverso como esse? A resposta para tal pergunta é igualmente complexa e multifacetada e, por isso, impossível de ser dada em tão poucas linhas. Mas o que gostaria de refletir com o caro leitor é acerca da forma redundante pela qual a guerra mais uma vez se processa. Inicio pelo resgate de alguns dos mais importantes momentos dela: como sabemos, as origens desta longa questão remontam aos tempos bíblicos, mas passou a ser repercutido em dimensões planetárias a partir do colapso do império otomano em 1917. Por outro lado, podemos afirmar, peremptoriamente, que o marco mais importante desta já milenar contenda, foi a autodeterminação do Estado de Israel, oficialmente reconhecido pelas Nações Unidas em 14 de maio de 1948, do qual decorreram vários choques, especialmente com palestinos, ocupantes da região há aproximadamente dois mil anos, os quais não reconhecem - pelo modo unilateral tal como fora formado - o Estado de Israel. Na ocasião da formação deste último, cerca de dois terços dos palestinos fugiram ou foram expulsos do território que ficou sob o controle judaico. A ONU estima que a quantidade de refugiados como consequência do conflito chegue a 711 mil pessoas. Ao longo do século XX, ocorreram pelo menos cinco grandes momentos em que houve embates sistemáticos e eivados de muito derramamento de sangue, além de outros vários de menor envergadura.
Foge dos objetivos e limitações deste artigo analisar todas as fases da guerra ou apontar e soluções para um conflito extremamente complexo, entorpecido de muito ódio, em que um acusa o outro com base em diferentes perspectivas religiosas. Mas não pode deixar de ser propósito dessa reflexão, chamar a atenção do leitor para alguns aspectos do atual momento do conflito árabe-israelense, que guardam profunda semelhança com outras ocasiões de igual ou maior efervescência: o primeiro refere-se à força desproporcional utilizada pelas tropas de Israel contra a Faixa de Gaza. Segundo fontes palestinas e das Nações Unidas, em aproximadamente duas semanas de ofensiva militar, os ataques deixaram mais de 800 mortos – dentre os quais 257 crianças, as vítimas mais indefesas da atual guerra entre o Hamas e Israel, sendo que elas correspondem a mais da metade da população da Faixa de Gaza -, além de mais de 3.350 pessoas feridas, sem contar a destruição da já castigada infraestrutura de Gaza.


De pedra na mão a desafiar o tanque israelense (Golias?)
(Foto: Reprodução)

Ao humanizarmos tais cifras, elas sensibilizam e chocam ainda mais. Lendo um jornal de grande circulação há alguns meses atrás, me deparei com um caso ocorrido no Bairro de Zeitoun, na cidade de Gaza. Nele, médicos encontraram quatro crianças ao lado dos cadáveres de suas mães, dentro de suas casas, as quais, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, sediado em Genebra, não eram mais capazes de permanecerem de pé, uma vez que foram impedidas de receber qualquer assistência, pois as equipes de busca e salvamento não obtiveram permissão do Exército Israelense para chegar ao bairro.
Outro importante aspecto do conflito que não pode ser ignorado e que muito chama a atenção, é o discurso utilizado para justificar a investida judaica contra os palestinos. A operação, denominada pelos judeus de “chumbo fundido”, foi o primeiro grande ataque desde o cessar-fogo – que previa seis meses de trégua - firmado em 19 de junho de 2008, entre o partido majoritário no Conselho Legislativo da Palestina, o Hamas, e o Governo israelense. Em 4 de novembro de 2008, Israel violou o acordo ao realizar uma incursão na Faixa de Gaza para capturar um grupo que havia matado seis milicianos, além de ter deixado outros três feridos. E seguiu com ataques aéreos, a partir do dia 27 de dezembro do mesmo ano, contra alvos palestinos na Faixa de Gaza. Esses fatos motivaram a reação imediata do Hamas, que passou a lançar vários foguetes Qassan em direção ao sul de Israel, até que no dia 3 de janeiro de 2009, os Israelenses iniciaram a invasão por terra no território palestino de onde ainda não saíram. Israel afirma que seu objetivo é evitar os repetidos ataques de foguetes do Hamas no sul do país, e que está fazendo o máximo para evitar a morte de civis. Mas é importante lembrar que é impossível – aos civis, palestinos ou não – escapar da sitiada Faixa de Gaza. Além disso, os ataques empreendidos em áreas densamente povoadas, fazendo uso dos mais avançados instrumentos bélicos, como tanques, bombas de artilharia e grandes bombas aéreas, levam, inevitavelmente, à morte de civis inocentes.
Como se pode notar, mais uma vez vem à tona a ideia de guerra preventiva associada ao terror que vitimam vários inocentes e que se pautam numa fé que não articula a paixão por Deus com a paixão pelos sofredores. Nesse sentido, estava com a razão o ateísmo ético, ao negar esse tipo de religião que com o seu deus justificou tanto as cruzadas, a caça às bruxas e a inquisição no período medievo, quanto os atentados às Torres gêmeas de Word Trade Center e a guerra do Iraque mais recentemente, e que com seu furor medonho também justificou vários outros conflitos com conotação religiosa, ocorridos ao longo da história da humanidade.
Ao me deparar com esse quadro de terror, especialmente dirigido contra crianças, me veio imediatamente na memória duas coisas: uma foi outro momento de igual terror e opressão: refiro-me à matança de inocentes empreendida por Herodes, relatada nas passagens do evangelho de São Mateus quando “[...] ouviu-se uma voz em Ramã, lamentação, choro e grande pranto [...] as mães chorando por seus filhos, e recusando serem consoladas, porque já não existem”; e outra foi a imagem do grande líder sul-africano Nelson Mandela, que certa vez disse o seguinte: "ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”. Assim, afirmaria, de maneira veemente, que o grande entrave à resolução do conflito entre judeus e palestinos está no fato de que o ódio de um lado alimenta o ódio do outro.
Como sabemos, é impossível dissociar o ódio de perversidades. E quando nos deparamos com a situação neste ponto, em que a perversidade face ao qual até a razão cessa e o sentido de humanidade some totalmente, duas expressões bíblicas e sabiamente propaladas pelo teólogo Leonardo Boff, em artigo escrito há alguns meses também vêm em mente: a “abominação da desolação” e a “parusia do Anticristo”. Fazendo uso das palavras do mesmo teólogo, a “Abominação da Desolação” traduz uma situação onde o mal irrompe com tal virulência que “deixa os olhos esbugalhados, secas as lágrimas e mortas as palavras na garganta”. Quanto a parusia do Anticristo, Boff esclarece que, ao contrário do que se imagina, Cristo não é originalmente uma pessoa, no caso o Jesus de Nazaré. Cristo é, na verdade, “uma dimensão, um título que designa a história do amor, da bondade, da doação, da compaixão, do perdão [...]”. E o Anticristo representa algo diametralmente oposto ao Cristo. Designa a história do ódio, da destruição, da perversidade, da desumanidade. Pode expressar-se em injustiças cometidas contra inocentes oprimidos, pode também aflorar em ideologias políticas que tendem a expurgar seus opositores, bem como em determinados povos que objetivam, planejam e executam, e de forma entusiástica, a eliminação de outras etnias ou culturas. Além disso, o Anticristo faz uso de duas armas principalmente: a política e a religião. Pela primeira se impõe pelo uso da força, e elimina seus opositores. E pela segunda, utiliza símbolos sagrados e o nome de Deus para legitimar suas ações perversas e nefastas.
Em momentos em que o Anticristo parece triunfar, como agora, é absolutamente necessário às partes envolvidas e, sobretudo, a opinião pública internacional representada pela Organização das Nações Unidas, retomarem a dimensão-Cristo, para adquirir bom censo, sabedoria e compreender que, como sugeriu Gandhi, “não há caminho para a paz, a paz é o caminho”. Exemplos de figuras seminais em que tal dimensão se densificou de maneira singular não faltam: Buda, Krishina, Mirian de Nazaré, Dom Helder, Dom Paulo Evaristo Arns, o próprio Mahatma Gandhi. Pois, como sugeriu este último, “se prevalecer a tese olho por olho, todos acabarão cegos”.

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